Nasci num mundo completamente diferente de mim, cheio de ostentações e desperdícios. Mas eu ainda não sabia. Quando eu era pequena, meus pais me davam tudo o que o dinheiro era capaz de comprar. Meus brinquedos ultrapassavam os limites da necessidade, vinham de todos os lugares do mundo, bastava ser algo novo e caro, que preferencialmente, causasse inveja aos outros pais. Até hoje não sei se cheguei a brincar com todos.
Minha infância foi regada a grandes festas de aniversário, onde as pessoas que as freqüentavam, não passavam de rostos afetados e sem graça para mim. Até mesmo com as crianças, eu não conseguia me relacionar, pois eram cópias perfeitas daqueles adultos. Assim, tão logo me visse livre, fugia para meu quarto e me excluía de minha própria festa.
Por ser assim, meus pais acreditavam que eu tinha algum tipo de problema, e viviam me levando a médicos e terapeutas. Mas ouviam sempre a mesma resposta:
- Ela é uma criança normal, com saúde perfeita e apenas um pouco tímida.
E minha mãe, inconformada com a postura recatada e simplista de “sua princesa”, decidiu que eu freqüentaria aulas de ballet com as filhas de suas amigas.
Eu gostava tanto daquilo quanto um prato de sopa de aspargos, sem graça e nenhum atrativo. Mas continuei com as aulas, para não contrariar mamãe.
Com o passar do tempo, percebi que toda aquela opulência em que vivia, não passava de ilusão, não me fazia feliz e nem me agregava nada. Ao contrário, sentia-me sufocada e rodeada de hipocrisias. Tornei-me um pária daquela sociedade fútil, enquanto minhas colegas de colégio só se preocupavam com rapazes, roupas de marca, sapatos de grife e qual seria a próxima festa, eu me afundava nos estudos e absorvia tudo que fosse possível. Devorava livros sobre a cultura de diversos países e das histórias de pessoas extraordinárias que haviam feito diferença neste mundo, muitas vezes apenas com palavras, atos corajosos e determinação inabalável.
Quando ingressei na Universidade, resolvi mudar o rumo de minha vida. Mudei-me para outra Cidade, recusando-me a estudar qualquer que fosse a área escolhida por meu pai. Graduei-me em Sociologia e senti que poderia me tornar igual àquelas pessoas que tanto admirava, as quais havia lido a respeito, e assim, mudando o mundo de alguma forma.
Engajei-me em causas sociais, trabalhei voluntariamente em diversas entidades, vivia tentando ajudar, de algum jeito, a melhorar a situação das pessoas menos privilegiadas. Então, resolvi que o dinheiro de meus pais serviria para algo melhor do que comprar coisas luxuosas e dispendiosas, comecei a contribuir não só com meu trabalho, mas também financeiramente para as entidades. Porém, num dado momento, percebi que grande parte do dinheiro doado, acabava seguindo para outras mãos e sobrava muito pouco para os fins a que era destinado, e as dificuldades iam se perpetuando.
Assim, mais uma vez mudei o rumo de minha vida. Cansada da hipocrisia e ganância das pessoas, fiz minhas malas e parti numa viagem sem data de retorno.
Passei anos rodando o mundo pelos continentes, sem nunca mais me comprometer com nenhuma entidade, Ong, ou o que quer que fosse. Fazia trabalhos alternativos apenas para me sustentar e não mantinha residência fixa. Conheci muita gente diferente, presenciei muitos acontecimentos, vi todos os tipos de lugares, mas continuava desiludida com o mundo e com o ser humano em geral.
Um dia, em um albergue na Alemanha, conheci Fred, um biólogo freelancer que trabalhava para uma importante revista, e assim como eu, vivia em todos os lugares e em lugar nenhum. Tornamo-nos amigos imediatamente, pois tínhamos muito em comum, e inevitavelmente a amizade acabou se transformando em amor. Continuamos a viajar por vários lugares, até que resolvemos tirar umas “férias convencionais”. Depois de muita discussão e dentre inúmeras opções, escolhemos a Indonésia, lugar exótico e de belezas naturais infinitas.
Ficamos em um chalé à beira-mar, com um visual maravilhoso e privilegiado. Era Natal, o local fervilhava de turistas e havia festas por todos os lados. A promessa de que o Revellion seria fantástico, nos empolgou e aderimos ao clima festivo do local. Aparentemente, eu havia encontrado minha paz interior.
Porém, o destino se encarregou de me mostrar o verdadeiro motivo pelo qual eu deveria estar lá.
No dia 26 de Dezembro de 2004, uma seqüência de ondas gigantes engoliu a Cidade em poucos minutos, o Tsumani havia chegado e devastado tudo que se punha a sua frente.
Por um golpe de sorte, ou talvez pela mão de Deus, consegui me salvar ilesa. Mas infelizmente não aconteceu o mesmo com Fred. Contudo, com muita luta e superando minha própria dor, milagrosamente fui capaz de salvar a vida de 35 pessoas.
Até hoje mantenho estas mesmas pessoas, que perderam seus lares e alguns de seus familiares, em um abrigo que construímos com o auxílio de outros e ajuda financeira de sociedades privadas, Ongs, entidades humanitárias, inclusive das empresas de meus pais.
Atualmente, o abrigo conta com mais de 120 pessoas, que num trabalho comunitário, continuamos a ajudar outras vítimas da tragédia. Vivemos um dia de cada vez, vencendo uma batalha de cada vez.
Enfim, depois de todo o horror que presenciei, onde inúmeras pessoas perderam tanto, eu ironicamente ganhei um presente inestimável. Encontrei meu lugar no mundo e voltei a acreditar que poderia fazer a diferença na vida de algumas pessoas. Resgatei minha fé e meu amor incondicional, pelo mundo e pelo ser humano.
A vida tem maneiras estranhas, e as vezes cruel, de revelar quem realmente somos, de nos mostrar por que nascemos e nos colocar no caminho que sempre desejamos, mesmo que este caminho tenha permanecido muito tempo, oculto para nossos olhos.
Minha infância foi regada a grandes festas de aniversário, onde as pessoas que as freqüentavam, não passavam de rostos afetados e sem graça para mim. Até mesmo com as crianças, eu não conseguia me relacionar, pois eram cópias perfeitas daqueles adultos. Assim, tão logo me visse livre, fugia para meu quarto e me excluía de minha própria festa.
Por ser assim, meus pais acreditavam que eu tinha algum tipo de problema, e viviam me levando a médicos e terapeutas. Mas ouviam sempre a mesma resposta:
- Ela é uma criança normal, com saúde perfeita e apenas um pouco tímida.
E minha mãe, inconformada com a postura recatada e simplista de “sua princesa”, decidiu que eu freqüentaria aulas de ballet com as filhas de suas amigas.
Eu gostava tanto daquilo quanto um prato de sopa de aspargos, sem graça e nenhum atrativo. Mas continuei com as aulas, para não contrariar mamãe.
Com o passar do tempo, percebi que toda aquela opulência em que vivia, não passava de ilusão, não me fazia feliz e nem me agregava nada. Ao contrário, sentia-me sufocada e rodeada de hipocrisias. Tornei-me um pária daquela sociedade fútil, enquanto minhas colegas de colégio só se preocupavam com rapazes, roupas de marca, sapatos de grife e qual seria a próxima festa, eu me afundava nos estudos e absorvia tudo que fosse possível. Devorava livros sobre a cultura de diversos países e das histórias de pessoas extraordinárias que haviam feito diferença neste mundo, muitas vezes apenas com palavras, atos corajosos e determinação inabalável.
Quando ingressei na Universidade, resolvi mudar o rumo de minha vida. Mudei-me para outra Cidade, recusando-me a estudar qualquer que fosse a área escolhida por meu pai. Graduei-me em Sociologia e senti que poderia me tornar igual àquelas pessoas que tanto admirava, as quais havia lido a respeito, e assim, mudando o mundo de alguma forma.
Engajei-me em causas sociais, trabalhei voluntariamente em diversas entidades, vivia tentando ajudar, de algum jeito, a melhorar a situação das pessoas menos privilegiadas. Então, resolvi que o dinheiro de meus pais serviria para algo melhor do que comprar coisas luxuosas e dispendiosas, comecei a contribuir não só com meu trabalho, mas também financeiramente para as entidades. Porém, num dado momento, percebi que grande parte do dinheiro doado, acabava seguindo para outras mãos e sobrava muito pouco para os fins a que era destinado, e as dificuldades iam se perpetuando.
Assim, mais uma vez mudei o rumo de minha vida. Cansada da hipocrisia e ganância das pessoas, fiz minhas malas e parti numa viagem sem data de retorno.
Passei anos rodando o mundo pelos continentes, sem nunca mais me comprometer com nenhuma entidade, Ong, ou o que quer que fosse. Fazia trabalhos alternativos apenas para me sustentar e não mantinha residência fixa. Conheci muita gente diferente, presenciei muitos acontecimentos, vi todos os tipos de lugares, mas continuava desiludida com o mundo e com o ser humano em geral.
Um dia, em um albergue na Alemanha, conheci Fred, um biólogo freelancer que trabalhava para uma importante revista, e assim como eu, vivia em todos os lugares e em lugar nenhum. Tornamo-nos amigos imediatamente, pois tínhamos muito em comum, e inevitavelmente a amizade acabou se transformando em amor. Continuamos a viajar por vários lugares, até que resolvemos tirar umas “férias convencionais”. Depois de muita discussão e dentre inúmeras opções, escolhemos a Indonésia, lugar exótico e de belezas naturais infinitas.
Ficamos em um chalé à beira-mar, com um visual maravilhoso e privilegiado. Era Natal, o local fervilhava de turistas e havia festas por todos os lados. A promessa de que o Revellion seria fantástico, nos empolgou e aderimos ao clima festivo do local. Aparentemente, eu havia encontrado minha paz interior.
Porém, o destino se encarregou de me mostrar o verdadeiro motivo pelo qual eu deveria estar lá.
No dia 26 de Dezembro de 2004, uma seqüência de ondas gigantes engoliu a Cidade em poucos minutos, o Tsumani havia chegado e devastado tudo que se punha a sua frente.
Por um golpe de sorte, ou talvez pela mão de Deus, consegui me salvar ilesa. Mas infelizmente não aconteceu o mesmo com Fred. Contudo, com muita luta e superando minha própria dor, milagrosamente fui capaz de salvar a vida de 35 pessoas.
Até hoje mantenho estas mesmas pessoas, que perderam seus lares e alguns de seus familiares, em um abrigo que construímos com o auxílio de outros e ajuda financeira de sociedades privadas, Ongs, entidades humanitárias, inclusive das empresas de meus pais.
Atualmente, o abrigo conta com mais de 120 pessoas, que num trabalho comunitário, continuamos a ajudar outras vítimas da tragédia. Vivemos um dia de cada vez, vencendo uma batalha de cada vez.
Enfim, depois de todo o horror que presenciei, onde inúmeras pessoas perderam tanto, eu ironicamente ganhei um presente inestimável. Encontrei meu lugar no mundo e voltei a acreditar que poderia fazer a diferença na vida de algumas pessoas. Resgatei minha fé e meu amor incondicional, pelo mundo e pelo ser humano.
A vida tem maneiras estranhas, e as vezes cruel, de revelar quem realmente somos, de nos mostrar por que nascemos e nos colocar no caminho que sempre desejamos, mesmo que este caminho tenha permanecido muito tempo, oculto para nossos olhos.
Indonésia, Março de 2005.
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