segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Maturidade



“Aprendi com a primavera a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.”
(Cecília Meireles)

Quantas primaveras são necessárias para compreender, um pouco que seja, esta vida confusa? Já acumulei algumas nesta minha vida, mas ainda me ocupo com a tentativa de decifrar as mensagens deixadas com os anos.
Até hoje, tive longos e rigorosos invernos, onde vivi em reclusão e meditação. Cada um deles com sua parcela de ensinamentos. Cada um com seu significado próprio. E todos com a profunda sensação de que estava me transformando.
Talvez, apenas talvez, eu tenha que viver mais atenta ao outono, que em seu aconchego me traga lições mais amenas. Nada muito profundo, ou cheio de dilemas. Sem muitas filosofias e crises existencialistas.
E assim, com a experiência de tantas estações vividas, possa entregar-me mais ao verão. Este cálido momento da vida.

sábado, 6 de setembro de 2008

Minha busca



Nasci num mundo completamente diferente de mim, cheio de ostentações e desperdícios. Mas eu ainda não sabia. Quando eu era pequena, meus pais me davam tudo o que o dinheiro era capaz de comprar. Meus brinquedos ultrapassavam os limites da necessidade, vinham de todos os lugares do mundo, bastava ser algo novo e caro, que preferencialmente, causasse inveja aos outros pais. Até hoje não sei se cheguei a brincar com todos.
Minha infância foi regada a grandes festas de aniversário, onde as pessoas que as freqüentavam, não passavam de rostos afetados e sem graça para mim. Até mesmo com as crianças, eu não conseguia me relacionar, pois eram cópias perfeitas daqueles adultos. Assim, tão logo me visse livre, fugia para meu quarto e me excluía de minha própria festa.
Por ser assim, meus pais acreditavam que eu tinha algum tipo de problema, e viviam me levando a médicos e terapeutas. Mas ouviam sempre a mesma resposta:
- Ela é uma criança normal, com saúde perfeita e apenas um pouco tímida.
E minha mãe, inconformada com a postura recatada e simplista de “sua princesa”, decidiu que eu freqüentaria aulas de ballet com as filhas de suas amigas.
Eu gostava tanto daquilo quanto um prato de sopa de aspargos, sem graça e nenhum atrativo. Mas continuei com as aulas, para não contrariar mamãe.
Com o passar do tempo, percebi que toda aquela opulência em que vivia, não passava de ilusão, não me fazia feliz e nem me agregava nada. Ao contrário, sentia-me sufocada e rodeada de hipocrisias. Tornei-me um pária daquela sociedade fútil, enquanto minhas colegas de colégio só se preocupavam com rapazes, roupas de marca, sapatos de grife e qual seria a próxima festa, eu me afundava nos estudos e absorvia tudo que fosse possível. Devorava livros sobre a cultura de diversos países e das histórias de pessoas extraordinárias que haviam feito diferença neste mundo, muitas vezes apenas com palavras, atos corajosos e determinação inabalável.
Quando ingressei na Universidade, resolvi mudar o rumo de minha vida. Mudei-me para outra Cidade, recusando-me a estudar qualquer que fosse a área escolhida por meu pai. Graduei-me em Sociologia e senti que poderia me tornar igual àquelas pessoas que tanto admirava, as quais havia lido a respeito, e assim, mudando o mundo de alguma forma.
Engajei-me em causas sociais, trabalhei voluntariamente em diversas entidades, vivia tentando ajudar, de algum jeito, a melhorar a situação das pessoas menos privilegiadas. Então, resolvi que o dinheiro de meus pais serviria para algo melhor do que comprar coisas luxuosas e dispendiosas, comecei a contribuir não só com meu trabalho, mas também financeiramente para as entidades. Porém, num dado momento, percebi que grande parte do dinheiro doado, acabava seguindo para outras mãos e sobrava muito pouco para os fins a que era destinado, e as dificuldades iam se perpetuando.
Assim, mais uma vez mudei o rumo de minha vida. Cansada da hipocrisia e ganância das pessoas, fiz minhas malas e parti numa viagem sem data de retorno.
Passei anos rodando o mundo pelos continentes, sem nunca mais me comprometer com nenhuma entidade, Ong, ou o que quer que fosse. Fazia trabalhos alternativos apenas para me sustentar e não mantinha residência fixa. Conheci muita gente diferente, presenciei muitos acontecimentos, vi todos os tipos de lugares, mas continuava desiludida com o mundo e com o ser humano em geral.
Um dia, em um albergue na Alemanha, conheci Fred, um biólogo freelancer que trabalhava para uma importante revista, e assim como eu, vivia em todos os lugares e em lugar nenhum. Tornamo-nos amigos imediatamente, pois tínhamos muito em comum, e inevitavelmente a amizade acabou se transformando em amor. Continuamos a viajar por vários lugares, até que resolvemos tirar umas “férias convencionais”. Depois de muita discussão e dentre inúmeras opções, escolhemos a Indonésia, lugar exótico e de belezas naturais infinitas.
Ficamos em um chalé à beira-mar, com um visual maravilhoso e privilegiado. Era Natal, o local fervilhava de turistas e havia festas por todos os lados. A promessa de que o Revellion seria fantástico, nos empolgou e aderimos ao clima festivo do local. Aparentemente, eu havia encontrado minha paz interior.
Porém, o destino se encarregou de me mostrar o verdadeiro motivo pelo qual eu deveria estar lá.
No dia 26 de Dezembro de 2004, uma seqüência de ondas gigantes engoliu a Cidade em poucos minutos, o Tsumani havia chegado e devastado tudo que se punha a sua frente.
Por um golpe de sorte, ou talvez pela mão de Deus, consegui me salvar ilesa. Mas infelizmente não aconteceu o mesmo com Fred. Contudo, com muita luta e superando minha própria dor, milagrosamente fui capaz de salvar a vida de 35 pessoas.
Até hoje mantenho estas mesmas pessoas, que perderam seus lares e alguns de seus familiares, em um abrigo que construímos com o auxílio de outros e ajuda financeira de sociedades privadas, Ongs, entidades humanitárias, inclusive das empresas de meus pais.
Atualmente, o abrigo conta com mais de 120 pessoas, que num trabalho comunitário, continuamos a ajudar outras vítimas da tragédia. Vivemos um dia de cada vez, vencendo uma batalha de cada vez.
Enfim, depois de todo o horror que presenciei, onde inúmeras pessoas perderam tanto, eu ironicamente ganhei um presente inestimável. Encontrei meu lugar no mundo e voltei a acreditar que poderia fazer a diferença na vida de algumas pessoas. Resgatei minha fé e meu amor incondicional, pelo mundo e pelo ser humano.
A vida tem maneiras estranhas, e as vezes cruel, de revelar quem realmente somos, de nos mostrar por que nascemos e nos colocar no caminho que sempre desejamos, mesmo que este caminho tenha permanecido muito tempo, oculto para nossos olhos.


Indonésia, Março de 2005.