quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O que não vejo...

“Espero que seu desejo de viver de uma maneira nova, seja mais forte de que seu desejo de perseverar nas velhas defesas, repetindo as mesmas atitudes que não lhe trouxeram satisfação.” (Sandra Ford Walston)

Aquilo que não vejo, que está longe de meus olhos, o que não posso descrever, é algo que existe, não para mim que sentada confortavelmente em meu sofá, apenas ouço nos noticiários e rápidos flashes da tv.
Ouço repórteres relatando os horrores e as devastações causados pelas guerras, deixando um rastro de destruição, sofrimento, dor, fome e desesperança naqueles que não só puderam ver, mas também sentir.
Guerras sem sentido, ou mesmo sem um verdadeiro propósito, guerras que alguns denominam de “Santas”, outros de “libertação” e até mesmo as que são provocadas por influência externa, por fome de poder e uma insaciável ânsia de conquistas.
E não consigo ver também, aqueles que as desencadearam, logo na linha de frente, sofrendo as conseqüências de seus atos e, o que é pior, nem mesmo lamentando as vidas que desumanamente foram arrancadas daqueles que lá estavam e viveram tais horrores.
Não vejo e não vivo tudo isto, mas me compadeço das pobres vítimas, pessoas sem rostos, sem nomes, apenas números nas estatísticas.
Contudo, não sou melhor do que os tiranos e ditadores, pois continuo confortável e segura, dentro de minha casa e de onde não presencio esta cruel realidade, só imagino e rezo pelos infelizes.
Porém, acima de tudo, rezo por minha própria alma, pela libertação desta minha prisão aconchegante e segura, rezo pela coragem que existe em algum lugar dentro de mim, rezo e peço para que um dia faça algo de que possa me orgulhar, algo que possa diminuir ou confortar as terríveis dores sofridas pelos meus semelhantes, que sequer imaginam minha culpa.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Partida.

“Certeza é o chão de um imóvel. Prefiro as pernas que me movimentam!”

(Nando Reis – A letra A)


Ela olhou mais uma vez para a porta aberta do ônibus de viagem, que recebia os passageiros para a partida. Sabia que era a última para embarcar, os demais viajantes aguardavam impacientes, mas ela não conseguia se mover, seus pés não saíam do lugar.

A grande mala, com todas as suas roupas, já estava depositada no bagageiro do grande ônibus, tinha nas mãos apenas uma pequena bolsa com seus documentos e algum dinheiro. Segurava as alças daquela bolsa, com tamanha força, que mais parecia uma ancora a lhe fixar no local.

O motorista, que se posicionava atrás do volante, percebeu a hesitação da moça. Parada ali parecia-lhe tão frágil, assustada e triste, que compadeceu-se dela e descendo do ônibus, foi falar-lhe:

- Está tudo bem moça? – dirigiu a ela um sorriso de simpatia.

- Eu...eu...não sei. – respondeu indecisa – Acho que estou com medo de partir. Tenho medo do que virá.

O velho e experiente motorista, que já vivera o bastante para conhecer os sentimentos humanos, arriscou um conselho:

- Sabe moça, aprendi com a própria vida que nenhuma dor é tão grande, que não possa ser superada, nenhum problema é tão grave, que não tenha solução, não existem certezas na vida, a não ser a morte, mas não há neste mundo estrada alguma, que não possa trazê-la de volta.

Assim, com um aceno de cabeça, ele voltou ao seu posto e aguardou.

Ela olhou para ele, com um sorriso tímido e embarcou no ônibus. Sentou-se em sua poltrona, fechou os olhos no exato momento em que o veículo começou a se movimentar, relaxou o corpo e pensou no que o velho e sábio senhor lhe dissera.

Após certa distância percorrida, soltou um leve suspiro, riu para si mesma e decidiu entregar-se ao estimulante sentimento de recomeço.